São apenas poucos dias sem crianças na escola, sem escola para as crianças, e nesse movimento de corrida por nutrir os alunos de conhecimento, ainda que à distância, e orientar as famílias, já é possível começar a pensar na falta que a escola faz.
Não falo da falta da conveniência para que os pais possam fazer as suas coisas, enquanto os filhos estão num determinado lugar, o que também é bem confortante para todos que são pais. Não falo da falta de acesso ao conhecimento e à informação pois, para muitos (infelizmente, não ainda para todos), é possível se nutrir com tecnologia. Vídeos, links, textos, exercícios…. Tudo está a um toque, no celular, no notebook ou qualquer outro equipamento com os quais crianças e jovens podem ter contato. Rotina de estudo que também pode ser realizada sem internet, com roteiros impressos e propostas gráficas que as crianças podem realizar em casa e depois entregar para seu professor ou sua professora quando as aulas voltarem.
Falo de uma aprendizagem que só na escola é possível de acontecer. Uma aprendizagem do encontro com o outro. Com o semelhante e com o diferente. O encontro com o mais experiente e com o mais novo. Pessoas de origens diferentes, não da mesma família. Pessoas que carregam para este espaço mágico, chamado “escola”, tudo aquilo que até então puderam viver e experimentar. Só na escola aquela pergunta “besta” que o menino fez e todos riram, pode virar momento de reflexão quando o professor diz – “não riam, não há perguntas bestas, respeitem o colega”.
Só na escola aquela brincadeira com o carrinho de papelão, feito em casa com ajuda de um adulto, vira objeto de desejo do outro coleguinha e então disputam por quem vai usar. Nessa hora, a educadora, atenta, conversa, orienta, explica sobre esperar sua vez, cuidar do material do amigo e ser solidário com seus materiais.
Só na escola, aquela aula difícil e aquele ponto da matéria que você custa a entender podem ser resolvidos com um debate sobre como cada um chegou àquele determinado ponto. Neste debate, há opiniões contrárias e a professora media com maestria, coordena a discussão para que todos possam compartilhar suas hipóteses e para que as divergências sejam entendidas como parte de um processo muito maior do que a compreensão daquele ponto: o processo civilizador.
Só na escola, as crianças e os jovens se deparam com os próprios limites e ganham novos contornos. Os contornos que o grupo e os professores vão ajudando a delinear. Contornos fundamentais para um saber viver em grupo, com as mais variáveis organizações familiares e pontos de vista opostos.
Na escola, também se regulam as novas relações, se ensina a consertar erros, refazer elos, construir e reconstruir a autoestima individual e a autoestima de grupo. Na escola, o menino, a menina, o jovem aprendiz experimentam, num espaço que é só seu e de todos ao mesmo tempo, a medir as palavras com quem não se tem muita intimidade; a adequar o discurso de acordo com o público; a testar sua paciência e empatia diante do mais ou do menos forte.
A escola, esse espaço vivo, é onde se vive e se prepara para o que ainda está por vir. Os elos, que nos ligam como seres humanos, não são só elos familiares. São elos humanos de solidariedade, elos que se alargam na escola e que são alguns dos primeiros empurrões para a vida, num mundo compartilhado.
Ninguém está sozinho no mundo e a escola nos faz lembrar disso a toda hora e, o melhor, faz disso um valor. Ainda bem! Não estamos sós! Para alguns, foi na escola que encontraram acalanto para suas dores e refúgio para sofrimentos pois, com tristeza, podemos afirmar que nem sempre a casa é o lugar mais seguro.
Que falta que a escola faz! Esperamos que esta seja uma das aprendizagens que podemos tirar desses dias de afastamento social. Valorize a escola, o professor, a professora. É este espaço e são estas as pessoas que ajudam a tornar o mundo mais humano, com reciprocidade solidária. Ali, há pessoas que estudam sobre aprendizagem e convivência. Esforços de formação e gestão de grupo são realizados diariamente em cada escola deste país e esta é a grande diferença em relação aos outros locais de convivência das crianças e jovens. Que outro lugar, se não na escola, há pessoas que optaram por tornar sua profissão o intenso, o cotidiano e o delicado trabalho de educar? Que falta faz a escola! Ainda bem que será passageiro!
Por Silvia Adrião – Integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo
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